Geralmente crises empresariais são consequências da falta de clareza sobre problemas que surgem e crescem lentamente. Alguns sócios e colaboradores podem não perceber, não aceitar a realidade, ou não terem habilidade em lidar com a situação. Questões como quedas nas vendas, aumento de custos, perdas de participação de mercado, são eventos perceptíveis. Entretanto, são por vezes ignorados, ao ponto de se transformarem em grandes desafios para gestores, investidores e acionistas.
Em empresas que precisam de transformações, que estão em crise, o ambiente é estressado e o futuro cercado por incertezas. O reflexo psicológico desse contexto para os acionistas e colaboradores é de insegurança, ao ponto de paralisarem o processo de tomada de decisão.
Eles têm ciência de que a restruturação é necessária, mas intimidam-se pelo fato de não existirem garantias em relação aos resultados.
Apesar do risco de um plano de ação para superação de crise, a decisão inercial de não fazer nada leva a uma consequência certa: a espiral negativa, que pode culminar na falência da empresa.
Assim, é imprescindível que exista confiança dos sócios e colaboradores, em relação ao plano de restruturação proposto pela gestão, ou pelo profissional contratado para tal (que chamo aqui de restruturador).
Essa confiança deve ser conquistada, com demonstração de conhecimento técnico e prático, validação de premissas e planos (um terceiro independente, como um conselho, pode ser o fiel da balança, se não houver conflitos de interesse), e aptidão em passar segurança, comprovando resultados satisfatório em casos semelhantes.
As dificuldades serão enormes, mesmo com este apoio, mas sem o mesmo as chances de insucesso serão potencializadas.
Em empresas de pequeno e médio portes (PMEs), os sócios geralmente são os gestores e, consequentemente, disseminadores da cultura, dando o tom sobre comportamentos aceitáveis, sobre como as coisas funcionam naquele ambiente, e ainda, sobre o rumo da empresa.
“A empresa é a cara dos donos”. E possivelmente continuará sendo, sem uma transformação efetiva. É nesse ponto que se encontra o coração da mudança.
Generalizações sempre são inadequadas, como a máxima de que sócios de PMEs são pouco habituados a escutar ou buscar conselhos. É esperado que haja dificuldade, intrínseca a qualquer movimento que promova mudança na forma de pensar e agir em ambientes tradicionais, e abrir o caminho para a transformação pode exigir grande sacrifício psicológico dos envolvidos.
É que quem esteja liderando esse grupo de pessoas tenha/ desenvolva capacidade de influência, habilidade relevante em todos os processos desse tipo, especialmente no início, uma vez que nesse momento os “patrocinadores da mudança” deverão ser os sócios, nos quais os colaboradores irão se espelhar.
Sem o apoio dos sócios, os líderes da mudança não conseguirão romper a curva de resistência dos funcionários, pois estes perceberão que o próprio dono desacredita na restruturação ou no plano proposto. O estado de negação funciona como uma âncora.
As ações propostas, muitas vezes acordadas entre agende de transformação e sócios, por vezes são simplesmente ignoradas pelos próprios sócios. Isso é prejudicial a todos, pois fere a reputação do profissional posto ali para resolver o problema, bem como contribui para a não reversão do estado atual, que permanecerá sendo o cenário de destruição de valor e risco de continuidade do negócio.
A construção do acordo psicológico entre as partes imbuídas em liderar a superação da crise pode ser realizada de várias maneiras. De forma geral, os sócios têm que perceber no agente a competência de ajudá-los a criar valor no negócio.
Através dessa criação de valor, os problemas serão resolvidos e a empresa retomará o caminho da estabilidade.
O próximo passo ramifica-se em algumas opções, entre elas, vender o negócio, agora saudável, com valor maior do que o atual, ou mantê-lo no rumo do crescimento sustentável.
A trilha do “acordo psicológico” passa por fases. A primeira é a escuta ativa, o que é bem diferente de ouvir. O ato de ouvir cria alinhamento, por ser mais rico em termos de atenção dispensada ao interlocutor.
Escutar ativamente passa por dispender atenção profunda, perceber as nuances do que está sendo dito, fazer perguntas poderosas que remetam os sócios à reflexão.
Esse processo é valioso, é um exercício de empatia e cria a conexão necessária para endereçar as questões mais duras que virão na sequência.
A segunda fase, é o momento de apresentar o plano, análises financeiras, de mercado e as oportunidades de criação de valor. Entrar nessa fase somente após o “acordo psicológico” firmado aumenta a chance de apoio dos acionistas.
A afirmação “compreenda” para depois “ser compreendido” faz bastante sentido. Nesta fase deve ser explicado aos acionistas e colaboradores a visão, e análises, sobre o problema, quais são as possíveis soluções, e como serão implementadas.
O fechamento desta etapa dá-se com o sinal verde dos acionistas, para seja colocado em prática o plano de ação.
Após alinhamento e aprovação do plano, vem a fase mais delicada: a implementação. Os acionistas serão pressionados de diversas formas, e por diversas partes envolvidas nessa etapa, à medida que a ações corretivas evoluírem.
Colaboradores antigos, que gozam de prestígio, familiares (no caso de empresas familiares), credores que mantém relação social com os donos, entre outros, irão jogar contra a mudança.
Obviamente, os sócios se sentirão tentados a ceder, pois essas pessoas poderão tê-los ajudado no passado e se sentirão no direito de obter algum tipo de privilégio.
Não entrando do mérito desse “direito”, o ponto é que, se a empresa está em apuros, o espaço para esse tipo de reciprocidade é próximo de zero.
O monitoramento, nessa fase, tem que ser constante. Desgastes poderão acontecer e devem ser administrados, dado o foco na salvação do negócio.
Como explica o psicólogo comportamental Daniel Kahneman: “os investidores nem sempre são racionais”. O mesmo pode acontecer aos acionistas. Ou seja, a racionalidade nem sempre estará presente.
Estudos na área de governança corporativa demostram que, em casos de concentração de poder, pode haver expropriação de minoritários, e que o esforço dos acionistas controladores será maior, e eles serão mais diligentes, quando os mesmos sofrerem maior pressão dos minoritários.
Tanto em empresas mais formais, com presença de conselhos de administração, quanto em empresas menos formais, em que os sócios centralizem as decisões, o grupo de controle deve ser mobilizados no início do processo de superação, para maximizar as probabilidades de êxito.