A produtora rural gaúcha Graziele de Camargo, líder do movimento SOS Agro RS, criticou a burocracia para operacionalização das medidas de ajuda ao setor anunciadas pelo governo federal seis meses após a catástrofe climática que atingiu o Estado.
“Com muita tristeza no coração, viemos novamente à Brasília para dizer que nem todos os produtores puderam voltar às suas lavouras. A tragédia aconteceu há seis meses, as propostas de soluções foram ineficazes e insuficientes, que não atenderam a todos os produtores, principalmente os pequenos, da agricultura familiar, que perderam tudo, até a capacidade de continuar na missão”, disse durante audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.
Ela cobrou uma solução definitiva para que os produtores tenham capacidade de plantar a safra 2024/25. “Já se passaram seis meses e até o momento temos muitos produtores só aguardando. Estamos pedindo para continuar a trabalhar. Não estamos pedindo para ficar em casa, descansando. Queremos trabalhar. É muito difícil ficar pedindo migalhas”, afirmou no evento.
“Existem muitos anúncios, mas onde está o dinheiro que foi dito? (…) É preciso resolver os entraves burocráticos. Nosso tempo já passou”, concluiu.
Luis Fernando Pires, assessor da presidência da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), reforçou que a solução reivindicada pela entidade foi apresentada em 7 de maio, há seis meses. “Pedimos uma linha de crédito para equacionar o passivo, com 15 anos de prazo, sendo dois de carência e juros de 3% ao ano. Nosso pedido é de R$ 20 bilhões”, apontou. “Precisamos de muito mais recurso do que foi apresentado até este momento”.
Pires cobrou que seja ampliado o prazo de até quatro anos dado para prorrogação de parcelas de financiamentos com vencimento neste ano, para aqueles produtores que aderiram aos pedidos de descontos viabilizados pela Medida Provisória 1.247/2024. “Precisamos ampliar o prazo, não terão condições de honrar”.
Ele também cobrou maior efetividade do fundo garantidor, para facilitar o acesso a novos financiamentos, e uma solução para as dívidas do passado, causadas pela ocorrência de três estiagens consecutivas no Estado antes das enchentes. Outro ponto citado é a ineficiência da medida para “desnegativação” dos produtores gaúchos.
Lérida Matilde Pivoto Pavanelo, coordenadora de mulheres da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), reforçou o pedido por uma solução ampliada para aqueles produtores com dívidas anteriores à catástrofe climática de abril e maio. “Existem agricultores familiares que não têm mais nem a propriedade”, relatou na audiência.
Segundo ela, cerca de 100 mil agricultores estão com nomes homologados pelos conselhos municipais para concessão de descontos nas parcelas de financiamentos deste ano, outra medida criada pela MP 1.247, e estão procurando agências para liquidar as contas.
Ela disse que a demanda total do setor produtivo gaúcho é por R$ 25 bilhões de crédito. “Precisamos pensar onde vamos buscar o recurso, sem falar de quem não tem garantia”, apontou.
Sérgio Luis Feltraco, diretor-executivo da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro-RS), relatou a dificuldade das cooperativas de acessarem os recursos disponibilizados na linha de capital de giro. Enio Nascimento, vice-presidente da Cotribá, disse que muitos produtores da metade sul do Estado estão “abandonando a atividade ou indo produzir no Uruguai”.
Ele cobrou a efetividade do fundo garantidor para os novos financiamentos de produtores que não têm garantias para apresentar nos bancos.
Celso Girotto, assentado da reforma agrária no Rio Grande do Sul, disse que a realidade é a mesma nos assentamentos. “As medidas [já anunciadas] nos engessaram. A época de plantar foi passando, e tem muitos que não vão mais plantar. A responsabilidade da sequência é das medidas que não são tomadas agora. Precisaria de uma ação extraordinária. Não pedimos nada de graça, só a oportunidade de seguir na lavoura. As medidas anunciadas são uma coisa na mídia, mas nos bancos os gerentes sabem menos que nós”, relatou na audiência.
Ampliação do orçamento
O secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Wilson Vaz de Araújo, afirmou que a Pasta vai enviar hoje um pedido ao Ministério da Fazenda e à Casa Civil de ampliação do orçamento do Fundo Social para alocar na linha de capital de giro para o setor agropecuário do Rio Grande do Sul.
“O ministro [Carlos] Fávaro está fazendo encaminhamento aos ministros Fernando Haddad e Rui Costa ainda hoje, pedindo adicional no Fundo Social para atender a demanda, pois tem que passar por duas medidas provisórias. Vamos trabalhar para acelerar isso se entender que há necessidade”, disse durante audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.
Vaz não revelou qual valor será solicitado por Fávaro. Durante a audiência pública, o subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, disse que a demanda adicional é de R$ 5 bilhões. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estima em R$ 3 bilhões o apetite das instituições financeiras que operacionalizam os recursos.
O secretário-adjunto do Ministério da Agricultura relatou ainda que o acesso ao crédito rural no Rio Grande do Sul nesta safra 2024/25 está cerca de 21% menor do que nos quatro primeiros meses do ciclo anterior. Segundo ele, de julho a outubro, produtores gaúchos acessaram R$ 23,2 bilhões em 153,5 mil contratos. No mesmo período do ano passado, a liberação tinha sido de R$ 28, bilhões.
Vaz destacou que a situação espelha o que está ocorrendo em todo o país, de queda no acesso ao crédito rural. “É menos do que no ano passado, tem questão das adversidades climáticas, índice de inadimplência que teve alta, incertezas, liquidez um pouco menor. É conjunto de fatores que pode estar interferindo”, disse na audiência. “No Paraná, a redução foi maior, não é caso particular do Rio Grande do Sul”, completou.
Pedidos dos produtores
O subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, afirmou que foram apresentados 141.496 pedidos de descontos em parcelas de crédito rural de produtores do Rio Grande do Sul contratadas antes das enchentes e com vencimento neste ano.
Para ter acesso ao rebate, os agricultores têm que comprovar perdas iguais ou superiores a 30% na produção, de acordo com a Medida Provisória 1.247/2024. Os pedidos de desconto somam R$ 930 milhões.
Desses pedidos, 138.496 foram para desconto direto, feitos com autodeclaração ou laudo técnico, sem necessidade de passar pelo crivo da comissão especial, que analisará a situação de quem teve perdas superiores a 60%. A maioria das solicitações é para liquidação da operação, sem prorrogação do saldo residual.
Durante audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, Bittencourt disse que os pedidos foram feitos por mais de 82,8 mil produtores. O número de solicitações é maior, pois o agricultor pode ter mais de uma operação bancária.
A comissão especial vai analisar ao menos 3.169 pedidos de produtores que tiveram perdas superiores a 60%, que totalizam R$ 106 milhões. O valor não contempla as 50 solicitações feitas por cooperativas, que somam outros R$ 20 milhões.
“Até semana que vem vamos dar as respostas para as cooperativas e elas têm até 27 de novembro para liquidar as operações”, afirmou. A comissão fez entrevistas presenciais no Rio Grande do Sul com quase todas as cooperativas. A situação dos produtores tem sido acompanhada por universidades. O aval ou não para a concessão dos descontos será anunciado até dia 20 de novembro.
Bittencourt afirmou que os pedidos de descontos de até R$ 50 mil terão processamento mais célere. “A maior parte das operações estão abaixo do teto que estabelecemos. A maior parte será atendida por rebate integral”, disse Bittencourt.
O subsecretário explicou ainda que muitos pedidos de descontos não foram analisados pelos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), responsáveis por validar tais solicitações. Bittencourt disse que a atuação “foi fraca”. Segundo ele, antes da criação da regra, a informação é que mais de 90% dos municípios possuíam esses colegiados, mas muitos se negaram a se reunir e decidir sobre o tema.
Para solucionar a questão, o governo federal publicou, na semana passada, a medida provisória 1.272/2024, que dá à Comissão Especial de Análise de Operações de Crédito Rural do Rio Grande do Sul o poder de validar os pedidos de desconto de operações onde os municípios não têm Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) ou conselho congênere ou que não responderam sobre a validação do direito ao desconto no prazo regulamentar, de 17 de outubro de 2024.
De acordo com a MP, “isso evitará que muitos produtores rurais com direito ao desconto para liquidação ou renegociação das suas operações de crédito rural percam esse benefício por ausência ou inação do referido conselho”.
A MP também ampliou para 29 de novembro o prazo para o aporte de R$ 600 milhões pelo Ministério da Fazenda no Fundo Garantidor de Operações (FGO), que é o fundo de aval para operações do Pronaf e Pronamp, cujo prazo de contratação do crédito com o benefício previsto se encerra em 31 de dezembro de 2024.
Bancos
Paula Regina de Melo Costa, gerente executiva da diretoria de Agronegócios e Agricultura Familiar do Banco do Brasil, disse que a instituição recebeu mais de 50 mil adesões de produtores aos descontos. Segundo ela, cerca de 90% das solicitações foram validadas, cujas operações receberão o rebate. Mais de 70% dos pedidos no BB foram para liquidação, sem prorrogação do saldo residual.
A gerente informou ainda que outras 20 mil adesões foram feitas para prorrogações sem descontos, de acordo com a resolução 5.173/2024, do Conselho Monetário Nacional (CMN). “Já estamos processando e comunicando os produtores”, disse na audiência.
Cláudio Filgueiras, chefe do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop) do Banco Central, disse que já foram pagos R$ 7,1 bilhões em indenizações do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) aos agricultores gaúchos em 2024 e que outros R$ 1,9 bilhão aguardam julgamento.
Ele comentou ainda que as medidas elaboradas e anunciadas ao longo do ano já viabilizaram a prorrogação de R$ 9 bilhões em operações de crédito rural no Rio Grande do Sul em 2024.
Acesso ao crédito
O subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, disse, durante a audiência, que o acesso ao crédito rural recuou no Brasil na modalidade alimentada por recursos livres. Segundo ele, no entanto, parte dessa redução foi suprida pela emissão de Cédulas de Produto Rural (CPR) bancárias.
“Caiu 14% ou 15% [no país]. Teve seca, atrasou o plantio, custo de produção reduziu, algumas áreas de produção que diminuíram. Há mudança e não é específica do Rio Grande do Sul”, disse em audiência na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados.
Segundo ele, no Rio Grande do Sul, ainda é necessário resolver a falta de garantias e de capacidade de endividamento, que trava acesso a crédito para alguns produtores.
Bittencourt relatou que ainda há recursos disponíveis para contratação no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com desconto de até 30% na entrada, limitado a R$ 25 mil, medida adotada ainda em maio. O governo destinou R$ 1 bilhão para pagar a equalização dessas operações. No Pronamp, para médios produtores, o recurso está quase no fim e há demanda adicional do Banco do Brasil.
Os valores também podem ser acessados na Caixa, Banrisul, Sicredi, Sicoob, Cresol e BRDE. “O recurso está lá com rebate. Teve demanda, mas ainda tem margem para crescer e está disponibilizado”, disse na audiência. São 10 anos de prazo, com três de carência. A expectativa é alavancar R$ 3,5 bilhões em operações com a subvenção.
‘Há muito a ser feito’
Bittencourt admitiu que as medidas de apoio ao setor produtivo gaúcho anunciadas até agora não atenderam todos os produtores e que ainda há “muita coisa a ser feita”.
Ele ponderou, no entanto, que o governo federal não pode criar medidas sem estimativas de gasto nem ações amplas, que possivelmente contemplem e privilegiem quem não precisa da ajuda. “Não tem como o Estado fazer medida que atenda a todos sem que se desvirtue”, afirmou na audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados que discute o endividamento dos produtores rurais gaúchos. “Quando se coloca todo mundo no mesmo pacote, como vou atender quem perdeu tudo em detrimento de quem não perdeu?”, questionou.
Bittencourt reforçou que a situação de endividamento é conhecida, mas que a autorização recebida é para elaborar medidas para atender prejuízos causados pelas enchentes, e não por eventos anteriores. Ele também justificou que os financiamentos são operações privadas, cujo risco é assumido pelos bancos, o que limita a atuação da União em relação a essas dívidas. “O governo não pode tudo em relação a essas operações”, disse.