Após meses de suspensão, o Senado deve retomar nesta terça-feira (3) a análise do Projeto de Lei 2.338/2023, que cria o marco regulatório para o uso de inteligência artificial no Brasil. O projeto, considerado uma prioridade no Legislativo, busca estabelecer normas nacionais para o desenvolvimento e uso de sistemas de IA, conciliando inovação tecnológica com a proteção de direitos fundamentais.
A votação do relatório final pela comissão temporária que avalia o projeto foi marcada na última quinta-feira (28), quando o relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), apresentou uma nova versão do texto. Caso seja aprovado na comissão, o PL poderá ser votado em plenário ainda esta semana e, posteriormente, encaminhado para análise na Câmara dos Deputados.
Mudanças no texto
O projeto passou por ajustes para atender às críticas de diversos setores, incluindo a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e grandes plataformas digitais, como Google e Meta, que anteriormente resistiram à proposta.
Entre as alterações, foram introduzidas “hipóteses de exceção” à legislação, excluindo a aplicação de determinados usos de IA por pessoas físicas sem fins lucrativos, além de atividades externas ao teste e desenvolvimento.
O foco das normas foi direcionado para tecnologias de “alto risco”, prevendo diferenciações para startups e micro e pequenas empresas. O texto também incluiu como fundamentos a proteção de direitos autorais, propriedade intelectual e sigilo comercial, além de promover a liberdade de expressão vinculada à responsabilidade no uso da tecnologia.
“Estamos equilibrando o dilema de Collingridge: regular cedo demais pode sufocar a inovação, mas regular tarde demais pode causar prejuízos irreparáveis”, afirmou Eduardo Gomes. Segundo ele, a nova redação busca alinhar inovação tecnológica com proteção de direitos fundamentais, promovendo segurança e liberdade em igual medida.
O projeto de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é visto como estratégico para posicionar o Brasil no cenário global de regulação da IA. Caso o marco seja aprovado, o país se unirá a outras nações que já avançaram em legislações específicas para IA, promovendo inovação responsável e homologação aos desafios contemporâneos.
Outros trechos da proposta
O parecer prevê condutas proibidas para as plataformas responsáveis por IA, por exemplo, técnicas subliminares para induzir o comportamento do usuário ou de grupos de maneira que cause danos à saúde, segurança ou outros direitos fundamentais próprios ou de terceiros.
Além disso, a proposta proíbe, entre outras coisas:
- Exploração de vulnerabilidades dos usuários;
- Que o governo faça uma avaliação do cidadão, por meio de seu comportamento social e personalidade, na hora de oferecer serviços e políticas públicas;
- Sistema que produza ou dissemine material de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes;
- Tecnologia que considere ficha criminal e traços de personalidade para supor e prever risco de cometimento de crime ou reincidência;
- Uso da IA como armas autônomas, que selecionam alvos e atacam sem a intervenção humana.
Conteúdo jornalístico e faturamento
O projeto garante os direitos autorais de veículos jornalísticos, escritores e artistas. Conforme o parecer, empresas como Google e Microsoft precisam de autorização do autor para usar as informações no momento de gerar respostas.
As empresas que desenvolvem e aplicam IA, segundo o parecer, teriam de pagar uma remuneração aos autores para poder ter as produções disponíveis em seus bancos de dados.
Gomes manteve no projeto a aplicação de multa de até R$ 50 milhões, ou 2% do faturamento, nos casos de pessoa jurídica, para cada violação cometida pelas empresas tecnológicas.
Sistema de fiscalização
O projeto sugere a criação de um “sistema de fiscalização híbrido”, o qual valorize e reconheça “as nossas agências e nossos órgãos reguladores setoriais”.
O Banco Central ficará responsável por “regular e fomentar a IA no sistema financeiro”. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Agência Nacional de Saúde Suplementar cuidarão da área de saúde.
A Agência Nacional de Telecomunicações ficaria com o setor de telecomunicações. A proposta cria, ainda, o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial, que deve estabelecer um ecossistema regulatório coordenado por uma autoridade competente a ser designada pelo Poder Executivo.
Esse sistema atuaria como um comitê com representantes de agências reguladoras, órgãos estatais de regulação setorial, órgãos e entidades de regulação de IA e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Se houver o uso irregular da IA, o responsável pode sofrer punições, que vão desde uma advertência, multa de até R$ 50 milhões por infração e suspensão/proibição do “desenvolvimento, fornecimento ou operação do sistema de IA”.
Sistema de Governança de Inteligência Artificial
O texto traz a Consolidação do Sistema de Governança de Inteligência Artificial para estabelecer uma coordenação do ambiente regulatório por uma autoridade central, permitindo a atuação especializada com poderes de fiscalização das agências reguladoras setoriais. Além disso, estabelece:
- Previsão da criação de um painel de especialistas de IA, a exemplo do que está propondo a ONU (Organização das Nações Unidas) e seguindo exemplo adotado na União Europeia;
- Proibição total de armas letais autônomas;
- Proteção de direitos autorais para trazer parâmetros justos aos criadores de conteúdo, incluindo notícias;
- Flexibilização do uso de reconhecimento facial para interesses de segurança pública e justiça criminal;
- Previsão de políticas de fomento para o desenvolvimento da IA no Brasil.