O presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, disse em entrevista exclusiva à BBC News Brasil e à BBC News Mundo que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tenta “incutir medo no povo” guianense e não descartou a instalação de uma base norte-americana no país em meio às tensões em torno da região conhecida como Essequibo, rica em minérios e petróleo.
“Maduro tenta incutir medo no povo da Guiana”, disse o presidente. “Faremos tudo o que for necessário para garantir a soberania e a integridade territorial da Guiana”, Irfaan Ali ao ser questionado se seu governo permitiria a instalação de uma base norte-americana no país.
A possibilidade de que o conflito pudesse levar à instalação de uma base estrangeira na região amazônica é um dos temores de integrantes do governo brasileiro, entre eles o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim.
A entrevista do presidente da Guiana foi concedida na manhã de segunda-feira (11/12). Na quinta-feira (14/12), Irfaan Ali e o presidente venezuelano deverão ter um encontro presencial em Trinidad e Tobago no qual deverão discutir a questão de Essequibo.
Nas últimas semanas, a região ganhou destaque internacional após o governo venezuelano realizar um referendo sobre a criação de um novo Estado na área de Essequibo e depois que Maduro anunciou a indicação de um governador para o futuro estado.
Em meio à escalada sobre o assunto, o Ministério da Defesa do Brasil reforçou a segurança em Roraima, Estado que faz divisa com a Venezuela e com a Guiana.
Na semana passada, o governo norte-americano comunicou a realização de exercícios militares em parceria com a Guiana no espaço aéreo do país. Na mesma semana, o Departamento de Estado dos Estados Unidos anunciou que daria suporte “inabalável” à soberania da Guiana.
Essequibo é uma região disputada pelos dois países há mais de um século. A área tem aproximadamente 160 mil quilômetros quadrados e é na sua costa que a petroleira ExxonMobil descobriu, em 2015, reservas equivalentes a 11 bilhões de barris de petróleo. Nos últimos anos, a economia do país de aproximadamente 800 mil habitantes foi uma das que mais cresceu no mundo. Seu produto interno bruto (PIB) deverá crescer 25% este ano, depois de ter expandido 57,8% em 2022.
Desde as descobertas de petróleo, o governo venezuelano vem aumentando o tom em torno da região.
No dia 1º de dezembro, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), provocada pelo governo guianense, emitiu uma sentença determinando que a Venezuela não poderia tomar medidas para incorporar Essequibo ao seu território. O governo de Nicolás Maduro, no entanto, anunciou não reconhecer a legitimidade da Corte para resolver a disputa.
Nas ruas de Georgetown, a elevação da temperatura do assunto é visível no trânsito da capital. Em diversos pontos da cidade, é possível ver cartazes e outdoors com os dizeres: Essequibo belongs to Guyana (Essequibo pertence à Guiana, na tradução direta do inglês).
Na entrevista à BBC News Brasil à BBC Mundo, o presidente do país diz ainda que é importante conversar com “os vizinhos”, mas que um possível acordo sobre recursos petrolíferos de Essequibo está fora de questão.
“Isso não acontecerá”, disse.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – O senhor terá uma reunião com Maduro na quinta-feira. O que O senhor espera deste encontro e o que gostaria de dizer a ele?
Mohamed Irfaan Ali – Em primeiro lugar, a Guiana é um país pacífico. Nós não somos os agressores. Não ameaçamos ninguém. Não ameaçamos com o uso da força. Ao mesmo tempo, a Guiana fará tudo o que estiver ao seu alcance, dentro dos domínios do direito internacional, para garantir que a nossa integridade territorial e soberania fiquem intactas e em vigor.
Nossas fronteiras foram resolvidas em 1899 (ano em que foi emitida a Sentença Arbitral de Paris, que definiu as atuais fronteiras da Guiana e Venezuela) […] Todos os nossos parceiros nesta região, incluindo o Brasil, a Caricom (Mercado Comum e Comunidade do Caribe), a Celac ( Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), os Estados Unidos, o Hemisfério Ocidental e a comunidade internacional respeitam a sentença arbitral de 1899 […]
Sobre as conversas de quinta-feira, como bons vizinhos, temos que conviver e trabalhar para garantir que esta região continue a ser uma região de paz e estabilidade […] Essas conversações visam reduzir as ameaças de uso da força por parte da Venezuela, porque a Guiana não faz ameaças a ninguém.
BBC News Brasil – Mas o que exatamente o senhor gostaria de dizer ao senhor Maduro?
Mohamed Irfaan Ali – Eu diria a ele muito claramente que a Guiana é um país que vive em paz. Não temos outra ambição senão a segurança e a proteção da nossa soberania e integridade territorial. A nossa única ambição é avançar como país de forma pacífica, trabalhar numa coexistência pacífica com os nossos vizinhos, apoiar os nossos vizinhos nos seus próprios desenvolvimentos. E esperamos respeito à nossa fronteira e que a Venezuela não aja de forma imprudente ou aventureira e que trabalhemos juntos para garantir a paz e a estabilidade da nossa região.
BBC News Brasil – O senhor teme que o governo venezuelano possa realmente invadir Essequibo?
Mohamed Irfaan Ali – Não temos medo. O que temos é que nos preparar para qualquer eventualidade por causa da retórica que vem da Venezuela. A Venezuela fez um referendo e antes disso, fomos à Corte Internacional de Justiça para tomar medidas cautelares devido ao fato de que algumas das questões do referendo apontavam para a anexação de Essequibo. Então, estamos muito preocupados com isso. Nós envolvemos nossos parceiros internacionais. Temos uma longa colaboração com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos e temos muitos programas de treinamento e exercícios conjuntos que estão sendo realizados e que vão continuar. Vamos acionar e trabalhar de forma constante com a comunidade internacional para garantir que a Venezuela não aja de uma forma que afete a nossa integridade territorial e a nossa soberania.
BBC News Brasil – Na semana passada, houve exercícios entre militares dos Estados Unidos e da Guiana. O senhor pediu algum tipo de apoio militar norte-americano no caso de uma invasão realizada pela Venezuela?
Mohamed Irfaan Ali – A cooperação militar e de defesa entre os Estados Unidos e a Guiana tem sido muito ampla. Tudo isso faz parte da nossa estratégia de defesa e ela continuará a crescer. Teremos mais programas de formação, mais intercâmbios conjuntos e, claro, não só com os Estados Unidos. Estamos falando com vários dos nossos parceiros em relação à Venezuela e à sua retórica.
BBC News Brasil – Seu governo está disposto a permitir a criação de uma base militar dos Estados Unidos dentro da Guiana?
Mohamed Irfaan Ali – Como disse antes, faremos tudo o que for necessário para garantir a soberania e a integridade territorial da Guiana. Estamos monitorando todas as ações da Venezuela. Trabalharemos monitorando de forma abrangente o comportamento da Venezuela.
Estamos analisando toda a inteligência e no momento certo tomaremos a decisão apropriada. Mas custe o que custar, custe o que custar, com os nossos parceiros bilaterais, com os nossos parceiros internacionais para proteger a segurança, a integridade territorial e a soberania da Guiana, nós o faremos.
BBC News Brasil – Mas isso inclui uma base militar americana na Guiana?
Mohamed Irfaan Ali – Isso inclui o apoio de todos os nossos aliados, não importa o formato que isso venha a ter. Não posso ser mais claro que isso. Devemos garantir que a segurança, a integridade territorial e a soberania do nosso país estejam asseguradas e protegidas. Esse é o nosso objetivo principal.
BBC News Brasil – O governo venezuelano alega que, como Essequibo é uma região em disputa, a Guiana não poderia ter emitido licenças para empresas de petróleo como a ExxonMobil. Como o senhor responde a essas alegações?
Mohamed Irfaan Ali – Essequibo pertence total e integralmente à Guiana. Isto foi resolvido em 1899. A Venezuela e a Guiana participaram no estabelecimento dos marcos fronteiriços […] Temos todos os direitos de emitir qualquer licença, fazer qualquer investimento e o desenvolvimento que quisermos.
BBC News Brasil – Há poucos dias, Maduro disse que a Guiana e a ExxonMobil deveriam se sentar com a Venezuela para discutir esse assunto. À medida em que o senhor terá essa reunião com ele, existe algo com o que o senhor estaria disposto a se comprometer para diminuir as tensões?
Mohamed Irfaan Ali – O que é interessante é que, à população local na Venezuela, o presidente Maduro diz que a Exxon é o imperialismo. Ainda assim, ele está trabalhando ativamente para fazer com que a Chevron, BP (Chevron e BP – British Petroleum são empresas petrolíferas) e até mesmo outras empresas multinacionais voltem a investir na Venezuela.
Nós temos muitas coisas para discutir. Temos a segurança energética regional, o desenvolvimento da região, como podemos trabalhar juntos nas mudanças climáticas? Como podemos coexistir? Como podemos reduzir as tensões? Mas não vamos comprometer nenhum desenvolvimento que tenhamos em Essequibo ou a posição do Estado de que este caso será determinado pela Corte Internacional de Justiça.
BBC News Brasil – Existe algum meio-termo que a Guiana e Venezuela poderiam alcançar durante essa reunião?
Mohamed Irfaan Ali – Meio-termo em relação a quê?
BBC News Brasil – Em relação à controvérsia envolvendo Essequibo…
Mohamed Irfaan Ali – O tribunal (menção à Corte Internacional de Justiça) determinará o mérito da controvérsia. Não há negociações sobre isso.
BBC News Brasil – E sobre as reservas de petróleo? Existe um meio-termo sobre o qual o senhor estaria disposto a discutir com Maduro?
Mohamed Irfaan Ali – Se é das reservas de petróleo que você está falando, então são reservas que pertencem à Guiana. E queremos desenvolver as nossas reservas de petróleo no contexto da segurança energética regional. Se há investimentos na região que alguém queira discutir, inclusive da Venezuela, podemos olhar e examiná-los, mas todas as reservas de petróleo são da Guiana.