O governo de Javier Milei, por meio de seu ministro da Economia, Luis Caputo, anunciou nesta terça-feira, 12, o seu aguardado pacote econômico de ajuste que visa tirar a Argentina da crise. Entre as medidas estão a redução de subsídios e repasses nacionais às províncias, forte desvalorização da moeda para 800 pesos a cada um dólar e a manutenção de auxílios sociais.
O dólar oficial, que no governo Alberto Fernández era vendido acima 400 pesos, dobrou de preço, mas ainda está abaixo do que é cobrado no mercado paralelo. O ‘blue’, como é chamado, estava cotado nesta terça-feira a 1050 pesos. A decisão, porém, não apresentou soluções para o problema dos mais de 15 câmbios que tem a Argentina. A promessa inicial do novo presidente era unificar todos, mas não houve este movimento no vídeo do ministro.
Os subsídios de transporte e energia sofrerão uma redução, mas não ficou claro se serão imediatos. Na semana passada o jornal Clarín adiantou que a retirada seria feita gradualmente até abril. Além disso, obras públicas serão congeladas. Contratações comissionadas na máquina pública serão suspensas. Também haverá mudança nos sistemas de importação e retenção de parte das exportações, em um cenário em que o país tenta conter a fuga de dólares.
Entre as medidas, estão:
Não se renovam os contratos do Estado com menos de um ano de vigência
Decreta a suspensão da propaganda oficial do governo nacional por um ano
Redução de ministérios de 18 para 9 e secretarias de 106 para 54
Reduzir ao mínimo a transferência do Estado nacional para as província
Não serão solicitadas novas obras públicas e serão canceladas as obras já licitadas que ainda não começaram
Redução de subsídios em transporte e energia
Manter as políticas sociais como o Asignación Universal por Hijo (espécie de Bolsa Família argentino) e cartão alimentação e aumentar seu valor
Manter o plano de geração de empregos ‘Potenciar Trabajo’
Fixação do câmbio oficial em 800 pesos, aumento provisório do imposto PAIS e retenção de exportação de produtos não-agropecuários
Mudança do sistema de importação (SIRA) para retirar autorização prévia
Caputo começou seu vídeo falando sobre a “herança” que recebe do governo anterior e voltou a repetir que a situação econômica irá piorar nos próximos dias. “Se seguimos como estamos, vamos caminhar claramente a uma hiperinflação”. Segundo o ministro, a Argentina caminha para ter uma inflação interanual de 300% e buscou justificar porque o país não deve seguir imprimindo moeda. “A origem do nosso problema sempre foi o déficit fiscal. Temos sido viciados no déficit e por esse sempre caímos em crises recorrentes”.
“Viemos resolver isso desde a raiz”, disse. “Se reestrutura a dívida fosse a solução, já reestruturamos nove vezes, seríamos a Suíça”. Ao abrir citando a “herança” e o déficit, Caputo parece tentar blindar o governo do remédio amargo das medidas.
A divulgação das medidas atrasou em mais de duas horas, depois de já ter sido adiada. Estava prevista para sair às 17h desta terça, por meio de um vídeo gravado – depois de o porta-voz da presidência ter anunciado que seria uma coletiva de imprensa no dia anterior. A publicação, no entanto, só foi feita às 19h porque o ministro precisou regravá-la, segundo a imprensa argentina.
Poucas definições
Para o economista Fabio Rodriguez, da Universidade de Buenos Aires (UBA), os anúncios estão londe de ser um plano claro e a longo prazo de recuperação econômica. “Ele finalmente deu nome e rosto ao ajuste fiscal, mas isto não é um plano de estabilização, está muito aquém para ser um plano de estabilização, é no máximo um plano de ajuste fiscal para eliminar o déficit tal como foi apresentado no início como a raiz de todos os problemas da Argentina. Me parece um diagnóstico bastante incompleto”, afirma.
“A muito risco nisso porque não há nenhuma medida de ataque ao que vai ser uma explosão inflacionária. Não tem nenhum componente nesse sentido e não tem um componente forte para aquilo que é a compensação social, que é o que teria que tentar fazer para que não haja um crescimento explosivo do conflito social e do risco de governabilidade”, completa.
A desvalorização já era dada como certa, já que a Argentina vive uma realidade em que o câmbio oficial está sempre atrasado frente ao mercado paralelo. Antes o atraso era acima de 100%. A medida, no entanto, terá reflexos diretos nos preços nos supermercados e não traz um plano de ajuste nos salários para compensar o que vai ser uma forte inflação.
Em agosto, logo após as eleições primárias, o então ministro da Economia Sergio Massa provocou uma desvalorização do peso em mais de 20%, levando a um aumento súbito no preço dos produtos e, em consequência, muitos vendedores retiraram as mercadorias de oferta até que a situação se normalizasse. Temendo um episódio semelhante, muitos argentinos correram para o supermercado para estocar alimentos.
Junto com a desvalorização, Caputo justificou um aumento do imposto PAIS, que impacta nas importações, e ficarão retidas exportações de produtos não agrícolas. “Estamos definitivamente diante do pior legado da nossa história. Um país onde os argentinos são cada vez mais pobres, com um déficit fiscal que ultrapassa 5 pontos e meio do PIB”, disse Caputo.
Risco à governabilidade
Em seu primeiro discurso para presidente, Milei destacou que pretendia conduzir uma política de “choque” e que não havia “tempo para gradualismos”. O presidente, então, alertava os argentinos que a situação econômica deve piorar muito nos próximos meses, com a inflação escalando a níveis muito acima dos atuais, antes de apresentar qualquer melhora. No entanto, ao apresentar medidas bastante impopulares, como a redução de subsídios, a suspenção da propaganda oficial e o aumento do imposto PAIS, o novo presidente para fazer um teste de popularidade para avançar com as mudanças.
“Parece que ao jogar no limite, ele faz um teste de tolerância”, afirma Rodriguez. “Ele aposta nos 55% de votos que recebeu e faz logo no começo porque sabe que se o tempo passa as pessoas começam a perder a tolerância e o apoio vai caindo. Então ele joga essas medidas muito duras para ver se a sociedade está realmente disposta”.
Em um movimento para se blindar de possíveis críticas caso a situação econômica não melhore no médio prazo, o presidente recém-empossado atribuiu ao governo peronista a culpa por uma “inflação plantada de 15.000%”. Nas ruas, muitos argentinos se mostram esperançosos de que o programa econômico de Milei trará melhoras no longo prazo e por isso se mostram dispostos a encarar o futuro de aperto dos próximos meses.
Além de não cortar os auxílios sociais, que hoje são um dos maiores gastos do Estado argentinos e que impedem a taxa de pobreza de escalar muito além dos atuais 40%, o ministro comunicou o aumento dos valores. Segundo ele, vai duplicar o valor da Asignación Universal por Hijo e aumento de 50% no Cartão Alimentação. Ele justificou a manutenção – e o aumento – citando a inflação a vir, mas garantiu que o programa será “para quem realmente precisa” e “sem intermediários”.
Os anúncios econômicos feitos por Caputo hoje foram adiados de ontem, quando havia enorme expectativa em saber como Milei iria transformar promessas radicais de campanha em um programa de governo viável.
Para o cientista político Pablo Touzon, o que chama mais atenção é o abandono da propaganda oficial em meio a uma política de ajuste tão forte. A redução dos repasses às províncias também colocam em risco a sua governabilidade, e nesse momento só quem poderia sustentá-lo seriam os meios de comunicação, que não ficaram felizes com o corte.
“As medidas emergenciais implicam uma espécie de revolução no ecossistema político e econômico argentino. A suspensão das diretrizes para propaganda, o fim das transferências para as províncias e a suspensão das obras públicas quebram absolutamente o status quo na relação entre o Estado nacional, os meios de comunicação social, as províncias e os municípios, jogando também os custos do ajuste para a casta que Milei identificou como inimiga na campanha. Uma espécie de ajuste para todos. Isto terá obviamente um impacto na governabilidade da nova presidência. Quase diria que Milei inaugura com isso de fato um novo modelo de governança na Argentina, de contornos ainda totalmente indefinidos”.
Antes mesmo de tomar posse, o libertário teve de abandonar seu plano mais ousado – e o que causava tanto paixões quanto receios – de dolarizar uma economia que não tem oferta de dólares. Seus primeiros nomes cotados para a pasta da Economia não vingaram e deram espaço para pessoas próximas de Mauricio Macri, então o momento o fiel da balança entre Milei e a direita moderada.
A falta de uma definição econômica deixava o mercado financeiro ansioso a esperar dos próximos movimentos. A estagnação provocou um novo aumento do dólar paralelo, que voltar a ultrapassar a barreira dos mil pesos e levou a um aumento nos preços dos alimentos em meio ao fim não-oficial do programa de controle de preços do governo anterior. Na prática o Preços Justos só termina no fim deste mês, mas desde o segundo turno não são enviadas listas com tetos de preços aos supermercados.
Em um supermercado perto da Praça do Congresso, onde no domingo ocorreu a posse de Milei, clientes faziam compras na expectativa dos novos preços. Giselda Binzztel, uma aposentada de 78 anos, comentou que o mate que comprava a 900 pesos semana passada já passava de 1200. “Imagina o que vai acontecer depois desses anúncios”, refletia.
O adiamento dos anúncios também levou o Banco Central a decretar um “feriado cambiário”, na intenção de limitar as transações na moeda estrangeira enquanto não há preços fixados. O feriado, porém, causou confusões nos demais bancos privados e nos pagamentos dos cartões de crédito. Hoje o banco anunciou que o feriado acaba amanhã.