O fantasma da CPMF ajuda a explicar parte da repercussão negativa em torno do anúncio da Caixa Econômica Federal de que passaria a cobrar pelo Pix de pessoas jurídicas. Ao Brasil 61, especialistas afirmaram que a tributação de movimentações financeiras continua viva na memória dos brasileiros, o que contribuiu para o temor de uma taxação do Pix de pessoas físicas – ainda que o objetivo do banco fosse tarifar apenas as empresas.
A Caixa esperava arrecadar cerca de R$ 300 milhões com a cobrança do Pix de pessoas jurídicas – prática que outros bancos já adotam –, mas resolveu suspender a medida temporariamente após as críticas. Alexandre Gaino, professor de economia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), destaca que o Brasil tem uma alta carga tributária e que, não por acaso, esse tema mexe com a cabeça dos cidadãos.
“Toda hora que alguém fala de governo já bota a mão no bolso, tenta segurar a carteira. Isso está no nosso imaginário, assim como a questão da inflação também. São elementos da economia que o brasileiro tem essa concepção muito clara. E aí você fala de alguma questão de tarifa, etc., pronto, todo mundo já se desespera achando que é mais uma cobrança extra sobre a população”.
Ele lembra da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Criada em 1997 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a CPMF duraria, inicialmente, dois anos, mas de provisória ela só teve o nome. O tributo foi prorrogado várias vezes e durou 10 anos, chegando ao fim em 2007. Nesse período, R$ 223 bilhões saíram do bolso dos brasileiros para os cofres públicos.
Rubens Moura, professor de ciências econômicas da Universidade Mackenzie, afirma que o fantasma da CPMF não deixa de assombrar os brasileiros porque, além de ter durado mais do que o previsto, vez ou outra o tributo volta ao noticiário. Foi assim durante o mandato de Dilma Rousseff, que chegou a enviar uma PEC ao Congresso Nacional para recriar o imposto, e no governo de Jair Bolsonaro, em que o ex-ministro da Economia Paulo Guedes era entusiasta da volta do tributo como uma forma de compensar a desoneração da folha de pagamento para todos os setores da economia.
Para os especialistas, a popularidade da Caixa entre os brasileiros somada ao contexto árido vivido pelo setor produtivo contribuíram para a rejeição à tarifa do Pix para pessoas jurídicas.
“O custo de capital está elevado. A empresa depende de crédito, e o crédito está caro em função da taxa de juros elevada, você ainda vai encarecer a movimentação da empresa tarifando Pix, gerou uma revolta pesada, desde o pequeno empresário ao mais graúdo”, analisa Moura.
Tarifa x Tributo
Advogado especialista em direito bancário, Marcelo Godke diz que há uma diferença entre tarifa e tributo. A tarifa é um valor que o banco cobra do cliente para realizar uma movimentação financeira, como ocorre com as principais alternativas ao Pix: TED e DOC.
Mesmo no caso do Pix, os principais concorrentes da Caixa cobram tarifa nas operações de pessoas jurídicas. Em geral, cada instituição financeira tem seus próprios critérios de cobrança. Segundo os especialistas, o Banco Central não autoriza os bancos a cobrarem tarifas no Pix das pessoas físicas, nem microempreendedores individuais (MEIs).
Já o tributo é cobrado pelo governo, geralmente com a aplicação de um percentual sobre as movimentações financeiras dos cidadãos, como era a CPMF. Segundo Godke, a taxação do Pix não teria fundamento econômico. “Fazer o dinheiro sair de uma conta para outra não deveria ser uma modalidade de atividade a ser tributada. Mesma coisa eu dizer: ‘olha, eu vou pagar um tributo por respirar’.”
Godke explica que a criação de um imposto sobre o Pix precisa passar pelo Congresso Nacional e que hoje não há clima propício para isso. “Se no Brasil até o passado é incerto, imagina a possibilidade de se criar um novo tributo para cobrir o rombo de gastos do governo federal. Eu nunca descartaria essa possibilidade. Talvez hoje seja um pouco mais remota, mas amanhã é outro dia. É aquela história: a gente sabe que para se criar um tributo basta propor e fazer uma pressão política para se aprovar”.
Os economistas afirmam que a busca do governo por novas fontes de receitas para ampliar as despesas pode pesar na balança. “Existe uma sanha arrecadadora gigantesca desse governo. O governo já informou aos quatro ventos que vai aumentar os gastos e vem aumentando. Então ele vai ter que aumentar a tributação de algum lado pra poder suprir a falta de dinheiro no caixa”, afirma Godke.
Rubens Moura concorda. “Você tem um governo em que na visão dele o crescimento e desenvolvimento do país é gerado em função do aumento de gastos, que não se interessa em melhorar a gestão do gasto público, do que ele precisa? De mais fonte de arrecadação. Isso, infelizmente, é um mau sinal”, avalia.
Bancarização
Os economistas lembram que o Pix caiu no gosto dos brasileiros. Em maio, a ferramenta bateu novo recorde de quantidade e volume de transações, segundo o Banco Central.
“O Pix foi um sucesso. Ele está na vida das pessoas, no dia a dia delas, elas entendem o que ele é, a utilidade que ele tem, a facilidade para transferência, para pagamentos, para recebimentos”, afirma Alexandre Gaino.
Rubens Moura afirma que o Pix é uma modalidade de movimentação financeira que trouxe uma série de benefícios para a economia, como o acesso ao sistema bancário.
“Se você era pequeno empresário, autônomo ou ambulante, você recebia como? Dinheiro. Acabou. Ou poderia ter uma maquininha, que era mais complicado. A vantagem do Pix é que a pessoa pode pagar sem ter dinheiro [em espécie] e você pode receber sem ter uma maquininha. Mas o que você precisa? Precisa ter uma conta no banco. O Pix fez que muitas pessoas abrissem contas no banco. Essa demanda explodiu em função do Pix”.
Godke explica que antes do Pix cerca de 40% da população estava fora do sistema bancário, em especial as pessoas de menor renda. Por isso, ele afirma que uma eventual cobrança pelo uso da ferramenta pode ter impactos negativos.
“Existe uma chance de que a bancarização da população que vinha acelerando muito rapidamente sofrer um infortúnio ou as pessoas, principalmente a população mais carente, acabar abandonando a utilização do Pix ou reduzir substancialmente”, ressalta.