Importante recordar para responder a pergunta, mas, não é necessário ir longe, apenas em meados de 2017, com a fatídica Operação Carne Fraca deflagrada para conter os casos de corrupção e irregularidades praticadas por empresas do segmento agro, com participação de agentes públicos.
De forma geral, havia toda ordem de atos ilícitos, perpetrados por mais de 30 empresas do setor alimentício, além da participação de fiscais do Ministério da Agricultura e Pecuária — MAPA, desde o oferecimento de propina para recebimento de certificados de qualidade adulterados, até o uso de material impróprio na fabricação de alimentos.
As empresas envolvidas na operação, amplamente divulgada na mídia, tiveram prejuízos milionários com quedas nas vendas e exportações e considerável aumento da desconfiança internacional em relação à carne brasileira.
Criou-se uma lupa, estendida às cadeias produtivas que compõe o agronegócios, nunca vista, que permitiu visualizar os impactos reputacionais e financeiros diretos na economia brasileira, haja vista que este setor é fundamental para a economia nacional.
Segundo dados da APEX, “responde por cerca de um quarto do PIB e tem garantido os superávits na balança comercial brasileira. Em 2022, foi responsável por quase 50% de tudo o que foi exportado pelo Brasil, o equivalente a US$ 159,1 bilhões”.
Neste contexto, respostas surgem, no setor privado e público, para melhorar e fortalecer controles institucionais e prevenir novas situações, dentre elas, a criação de um “Selo + Integridade”, pelo MAPA, em 2018, com objetivo de fomentar, reconhecer e premiar práticas de integridade para o agronegócio, sob a ótica da responsabilidade social, sustentabilidade, ética e mitigação das práticas de fraude, suborno e corrupção.
Desde então, empresas foram reconhecidas e outras buscam se desenvolver para obter tal selo que possui critérios de avaliação de um sistema de compliance efetivo que compreende a estruturação de processos preventivos, capazes de minimizar danos financeiros e reputacionais com a mitigação de riscos de corrupção, fraudes e diversas irregularidades.
Porém, apesar do reconhecimento da importância e impacto do agronegócios, percebe-se que as práticas de compliance ainda não estão presentes em toda a cadeia produtiva, inclusive, muitos negócios de pequeno e médio portes, estão à margem de estabelecer e usufruir dos benefícios de um bom sistema de compliance.
Há um entendimento equivocado de que as práticas de compliance não se adéquam consistentemente ao segmento agro. Pois bem, as práticas de compliance vão além de requerimentos regulatórios, também auxiliam na consolidação da credibilidade junto às partes interessadas, na obtenção de investimentos públicos e privados, além de certificações necessárias para exportar.
Os diversos agentes do setor agro sabem disso. Conhecem, por exemplo, a Lei Alemã que trata da diligência, em cadeias de fornecimento que exportam ou atuam no país, quanto às práticas nas áreas dos direitos humanos e meio ambiente. Este tipo de norma se espalha nos quatro cantos do mundo.
Seja para exportar, importar ou mesmo abastecer o mercado interno, há diversas normas que regulamentam o setor que passam pelo uso de agrotóxicos, formas de criação e negociação dos animais, uso adequado do solo, que passam por recorrentes fiscalizações que geram multas e até mesmo suspensão de licenças.
O fato é: para sentar em uma mesa de negociação com grandes players do mercado do agronegócios, nacional ou internacional, é preciso ter muito bem estruturados os instrumentos de compliance que buscam garantir a conformidade com tais regramentos legais, se houver o interesse em viabilizar a e concretizar a negociação.
Por outro lado, por exemplo, a Lei n.º 14.421/2022 impacta positivamente o crescimento do setor e amplia o conceito de produtor rural, permitindo a captação de recursos para conservação e preservação ambiental, além da possibilidade de financiar outros elos da cadeia produtiva, como fornecedores de insumos.
Porém, para captar e absorver os impactos positivos da nova legislação, o produtor rural deve estabelecer processos e normas que garantam a conformidade com o regramento legal, práticas de integridade e sustentabilidade que preservem as relações, as negociações e a reputação das partes envolvidas nas transações financeiras e comerciais, afinal, o produtor rural é uma organização que possui relações com fornecedores, parceiros, governo, além de gerenciar riscos sociais, ambientais, trabalhistas, dentre outras questões que fazem parte da rotina do agronegócio.
Apesar do entendimento quanto aos benefícios dos instrumentos utilizados pelas áreas de compliance ser quase unânime, verdade seja dita, a implantação deles representa um grande desafio.
Dentre os instrumentos de compliance que podem causar certo desconforto, por exemplo, estão as diligências de terceiros em pessoas politicamente expostas (PEPs) que são os agentes que desempenham ou tenham desempenhado empregos ou funções públicas relevantes, assim como seus parentes.
Acontece que alguns segmentos estabelecem critérios rigorosos, tendo em vista que são agentes que passam pelo monitoramento especial de suas movimentações financeiras e fiscais, com objetivo de prevenir a corrupção e crimes como lavagem de dinheiro.
Eis a questão: segundo a Lista Forbes das 100 Maiores Empresas do Agronegócio do Brasil, que faturaram R$ 1,29 trilhão em 2020, crescimento de 24% na comparação com o ano anterior, muitos que estão por trás destes grandes players são PEPs ou parentes.
A regra das diligências de compliance quanto as PEPs é clara: a gestão de compliance e análise de risco passa por monitorar essas relações, sejam parceiros, fornecedores ou clientes. Porém, não se pode rotular negativamente a PEP, mas, é preciso um olhar atento aos riscos reputacionais e financeiros que representam ao negócio, porque a história demonstra que os grandes casos de corrupção envolvem pessoas em posições relevantes, seja no setor público ou privado. Fica o desafio.