No dia em que completou 61 anos, a funcionária pública aposentada Rosemary Esteves Ferreira acordou se sentindo mal, com enjoo, náusea e uma dor de cabeça que não passava. Logo suspeitou que pudesse estar com dengue: era abril deste ano e o Brasil enfrentava uma das piores crises da doença.
No dia seguinte, em 2 de abril, veio a confirmação. Rosemary realmente tinha dengue, mas além de tratar a infecção causada pelo mosquito Aedes aegypti, a moradora de Brasília foi orientada a procurar um médico oncologista. Um dos exames que fizeram antes de fechar o primeiro diagnóstico revelou que ela tinha um pequeno caroço no pulmão direito.
“Depois de fazer o exame de sangue e a tomografia de tórax, a doutora falou que eu estava com dengue, e que tinha um carocinho no pulmão que precisava ser averiguado por oncologista”, lembra a carioca que mora em Brasília há mais de 50 anos.
Alguns dias depois, Rosemary foi diagnosticada com um tumor de 1,8 cm. Estima-se que o nódulo começou a se desenvolver nos últimos seis anos, crescendo lentamente. “Fiquei apavorada. Quando falam ‘câncer’, a gente treme nas bases”, recorda.
Diagnóstico de câncer de pulmão
A aposentada diz que fumava até 30 cigarros por dia, por isso, a maior suspeita era que o nódulo tivesse sido causado pelo tabagismo. Mas a biópsia mostrou se tratar de um câncer de pulmão do tipo carcinoide típico, que não está relacionado com o tabagismo.
“Ao contrário de outros tipos de câncer de pulmão, como o carcinoma de células escamosas e o adenocarcinoma, que têm forte associação com o uso de tabaco, os tumores carcinoides (tanto o típico quanto o atípico) têm origem distinta e não apresentam uma correlação direta com o hábito de fumar”, explica o cirurgião torácico Eudes Carvalho, do Hospital Brasília Águas Claras, da rede Dasa.
De acordo com o médico, esses tumores são raros e, geralmente, surgem de maneira aleatória, sem fatores de risco ambientais claros.
O tratamento indicado foi a remoção do tumor. O procedimento padrão é que os pacientes sejam submetidos a exames de risco cirúrgico para a avaliação pulmonar e cardiovascular antes da cirurgia. A essa altura, Rosemary tentava se recuperar do susto do diagnóstico do câncer de pulmão, quando foi surpreendida com um novo diagnóstico.
A avaliação cardiológica mostrou que ela tinha doença coronariana obstrutiva, e o risco de sofrer um infarto a qualquer momento era alto. O exame também mostrou uma cardiopatia hipertrófica, doença hereditária desconhecida por ela até então, que causa sopro, e já apresentava os primeiros sinais com falta de ar e cansaço.
“Foi uma loucura. Estava boazinha, fazendo meus 61 anos e, de repente, veio tudo de uma vez. Quando eu estava me preparando para resolver um problema, veio outro, mostrando que eu poderia ter um infarto a qualquer momento, ou ficar na mesa de cirurgia”, lembra.
Rosemary conta que relacionava o cansaço recorrente no último ano e a dificuldade para subir escadas e caminhar rápido à idade. “Nunca pensei que era um problema do coração”, afirma.
O cardiologista Gabriel Kanhouche, do Hospital Brasília Águas Claras, explica que na cardiopatia hipertrófica, as células do músculo cardíaco aumentam e isso dificulta a saída de sangue para o restante do corpo humano. A condição estava causando o sopro na paciente.
“Identificamos uma obstrução no ventrículo esquerdo, na saída do coração, característico de uma doença hereditária, a cardiomiopatia hipertrófica. Provavelmente ela já nasceu com essa doença, mas se manifestou só agora”, sugere Kanhouche.
Os planos para a cirurgia de retirada do caroço no pulmão tiveram que ser adiados para que a funcionária pública aposentada fizesse uma angioplastia com colocação de stent, em julho.
Os últimos três meses foram dedicados à recuperação do coração, com a volta à rotina de atividades físicas aos poucos. O cansaço para caminhar não existe mais e Rosemary já voltou para a hidroginástica.
Importância do check-up
O cardiologista Gabriel Kanhouche ressalta a importância do check-up de rotina para rastrear doenças antes que elas se tornem um problema maior.
“Muitas vezes o paciente não valoriza os sintomas e mudanças na vida a ponto de procurar um médico. A avaliação cardiológica rotineira é importante para que o cardiologista faça o exame físico, avalie a necessidade de exames complementares para investigar colesterol alto, sopro no coração, doença coronária, porque são doenças com taxa de mortalidade elevada”, avalia.
Tratamento do câncer
Embora o câncer diagnosticado em Rosemary não tenha relação direta com o tabagismo, ela foi orientada a parar de fumar devido ao alto risco de desenvolver outros tipos de câncer de pulmão se manter o hábito.
“Parar de fumar é o mais difícil. É terrível pra gente que é viciado, mas estou tomando um remédio para me ajudar nesse processo. Mas todo mundo está me dando força e estou indo bem. Passei de uma carteira e meia por dia para quatro cigarros e espero ficar sem nenhum”, relata a aposentada.
Rosemary será operada para retirar o tumor do pulmão este mês e está confiante. “Tenho o apoio da minha filha, que vai comigo nas consultas, e dos médicos. Estou encarando bem”, conta.