O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta quarta-feira (23) a criação de meios de pagamento alternativos para transações financeiro-econômicas entre os países-membros dos Brics. A declaração foi dada durante participação, por videoconferência, da cúpula do grupo, realizada em Kazan, na Rússia. O chefe do Executivo abordou outros assuntos, como meio ambiente, cobranças a países em desenvolvimento e produção de vacinas.
“Não se trata de substituir nossas moedas, mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar, que almejamos, se reflita no sistema financeiro internacional. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode mais ser adiada”, argumentou Lula.
Lula busca reduzir a dependência em relação ao dólar e também para amenizar os custos operacionais de transações que envolvem os países. Na avaliação de economistas, a ideia pode trazer resultados positivos para a economia do bloco, mas não deve ser facilmente implementada.
Em seu discurso, o presidente brasileiro criticou a atuação de países que estão em guerra, como Rússia, anfitriã do evento, e Israel. “Como disse [o presidente da Turquia, Recep Tayyip] Erdogan, Gaza se tornou o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo. Essa insensatez se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano. Evitar uma escalada e iniciar as negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia”, disse Lula.
“No momento em que enfrentamos duas guerras, com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns. Por isso, o lema da presidência brasileira [dos Brics, que se inicia em janeiro de 2025] será fortalecer a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável”, completou.
Lula abordou ainda questões ligadas ao desenvolvimento sustentável, meio ambiente e produção de tecnologia. Confira, abaixo, os principais pontos do discurso:
Meio Ambiente: “Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje. É preciso ir além dos US$ 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos. Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes. O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva. Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio”.
Produção de vacina e tecnologia: “Não podemos aceitar a imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos. Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados”.
Distribuição de renda: “O Brics foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas. Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social. Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite. Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas.”
Novo Banco de Desenvolvimento: “Por meio do Mecanismo de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas. O Novo Banco de Desenvolvimento, que neste ano completa dez anos, tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana. Sob a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares. Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando. Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais. Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto”.
Acidente doméstico
Lula participou da cúpula dos Brics, realizada em Kazan, na Rússia, por videoconferência. Isso porque o presidente sofreu um acidente doméstico no último sábado (19) e precisou cancelar sua participação presencial. O líder brasileiro caiu no banheiro do Palácio da Alvorada e precisou levar cinco pontos na nuca.
Na última segunda-feira (21), Lula declarou que a queda foi grave, mas não afetou nenhuma parte mais delicada. “Eu tive um acidente aqui. Uma bobagem minha. Eu estou cuidando, porque qualquer coisa na cabeça é muito forte. Então, eu estou aguardando, porque os médicos disseram que eu tenho que esperar pelo menos uns três, quatro dias para eles saberem qual foi o estrago que fez a batida”, afirmou.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, representa o Brasil no encontro. Esta edição da cúpula tem como principal pilar a criação da categoria de países parceiros, discutida na última reunião do grupo, na África do Sul, no ano passado. A programação incluiu um jantar de boas-vindas oferecido pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Brics
Inicialmente, os Brics reunia Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Desde o início deste ano, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos fazem parte do grupo. Portanto, trata-se da primeira cúpula com os novos integrantes. O principal tema será a criação da categoria de países parceiros.
“É nisso que é consumido o nosso trabalho neste semestre, quais são os critérios para essa modalidade, e há uma expectativa de que, aprovada essa modalidade, possa ser feito um anúncio dos países que seriam convidados para integrar essa categoria”, explicou o secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, embaixador Eduardo Paes Saboia.
Questionado se a Venezuela tem chances, Vieira sinalizou positivamente. “Todos os países candidatos têm”, disse, acrescentando que o tema será analisado pelos chefes de Estado que fazem parte dos Brics. Nos bastidores, o governo brasileiro aponta que deve ser contrário ao movimento.