O calor excessivo, a poluição do ar e a fumaça das queimadas que encobre a maior parte do Brasil nas últimas semanas tem um impacto na saúde cardíaca. De acordo com o cardiologista Paulo César Jardim, eles podem aumentar a pressão arterial, o estresse, reduzir a oxigenação do sangue e prejudicar a performance cardiovascular. O médico é o presidente do 79º Congresso Brasileiro de Cardiologia, que acontece em Brasília entre esta sexta-feira (20/9) e domingo (22/9).
“A atividade física é muito importante na prevenção de doenças cardiovasculares. Mas em uma época como essa, é preciso ter diversos cuidados para não prejudicar, ao invés de beneficiar, o seu aparelho cardiovascular”, alerta Jardim.
O evento, organizado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), terá a apresentação de estudos e diretrizes inéditas da área, além de palestras sobre envelhecimento saudável, controle da hipertensão, saúde cardiovascular da mulher durante a menopausa e impactos das mudanças climáticas na saúde do coração, por exemplo.
Em entrevista ao Metrópoles, Jardim aponta que outro assunto importante que será discutido no Congresso será o cigarro eletrônico, conhecido como vape, que é tão prejudicial à saúde quanto o cigarro convencional para o coração, representando uma grande ameaça à saúde, especialmente entre os jovens.
Como manter a saúde do coração
O médico compartilha algumas dicas para manter uma boa saúde cardíaca, incluindo:
- Manter uma alimentação equilibrada e variada;
- Praticar atividade física regularmente;
- Controlar o peso;
- Dormir bem;
- Manter-se hidratado;
- Evitar o tabagismo e o consumo excessivo de álcool;
- Controlar o estresse;
- Realizar check-ups regularmente.
Confira a entrevista completa com o Paulo Cesar Jardim, presidente do 79º Congresso Brasileiro de Cardiologia.
Metrópoles: Começando por um assunto que está em grande destaque nos últimos dias, que são as mudanças climáticas, com o calor, a fumaça e poluição do ar. Como esses fatores impactam na saúde do coração?
Paulo César Jardim: É muito importante lembrarmos que nós respiramos essa fumaça, vivemos nesse mundo que é enfumaçado e não temos cuidado com isso. Do ponto de vista cardiovascular, isso interfere em diversos aspectos: a pressão arterial pode ser afetada, o nível de estresse aumenta, a oxigenação do sangue diminui porque a fumaça e a poluição interferem nisso. Tudo isso acaba prejudicando na performance do aparelho cardiovascular.
Por exemplo, na própria prevenção de doenças cardiovasculares, onde a atividade física é tão importante, em uma época como essa você precisa ter diversos cuidados para não prejudicar, ao invés de beneficiar, o seu aparelho cardiovascular. Seria bom que nós estivéssemos cuidando do clima de uma maneira adequada para facilitar a vida de todos.
Metrópoles: A temperatura do planeta já é 1,5 ºC acima do período industrial, como isso influencia no funcionamento do coração? É necessário tomar alguma medida para preservar a saúde individual nesse cenário de mudanças climáticas?
Paulo César Jardim: Sem dúvida. É interessante, Bethânia, que a preservação da saúde passa por medidas extremamente simples em qualquer temperatura. É óbvio que com a temperatura mais elevada, você tem de ter cuidados adicionais com relação à boa hidratação, uma alimentação saudável e mais leve.
Um grande inimigo de todas as pessoas, que é uma epidemia mundial, é a obesidade e o excesso de peso. Da mesma forma, se você preservar um peso mais próximo do ideal, com as mudanças climáticas, você será menos afetado.
Acaba que nós ficamos em um lugar-comum que para prevenir doença cardiovascular em temperatura alta, intermediária ou baixa, é preciso que tenha hábitos saudáveis de vida e alguns cuidados especiais.
Aqui na nossa região, mas no Brasil, hoje quase como um todo, pelas temperaturas elevadas e falta de chuva, é preciso ter uma boa hidratação, evitar atividade física intensa em horários de pico de calor. Mas acima de tudo, um bom período de sono, de descanso e uma boa hidratação.
Metrópoles: O senhor falou sobre obesidade, sobre sono, além das mudanças climáticas, que outras variáveis vocês identificam no cenário atual como ameaça à saúde cardíaca?
Paulo César Jardim: As doenças cardiovasculares são as que mais matam no mundo e no Brasil. Cerca de 400 mil mortes são devido às doenças cardiovasculares no Brasil. Hipertensão arterial; insuficiência cardíaca; diabetes, que leva à doença cardiovascular; dislipidemias, que levam à doença cardiovascular; são doenças que afetam a população como um todo. Isso é um fato no mundo inteiro e no país.
Um dos grandes problemas nos quais nós nos defrontamos hoje é a epidemia mundial do excesso de peso. Mais de 60% da população brasileira tem excesso de peso, o que é um absurdo. Além disso, ainda ficamos com outros inimigos que estão por aí, como o tabagismo.
Nós tivemos no país uma campanha muito boa contra o tabaco, que baixou o nível de consumo dele. Mas o cigarro eletrônico veio à moda como se não fizesse nenhum mal, mas ao contrário, ele faz tão ou mais mal do que o tabaco tradicional.
Temos ainda outros aspectos, como bebida alcoólica em quantidade exagerada, vida sedentária e o estresse que nós todos passamos no dia a dia são fatores que também interferem na saúde cardiovascular de uma maneira importante.
Metrópoles: Como podemos balancear a nossa vida pensando também em ter uma boa saúde cardíaca?
Paulo César Jardim: Boa pergunta. Eu queria lembrar que para ter uma saúde cardíaca é importante ter uma vida saudável. O resumo de tudo seria isso. Ter uma vida saudável não é complicado, mas às vezes a gente posterga o hábito de uma vida saudável. Começando com o sono, o hábito de dormir algumas horas por dia — pelo menos quatro horas de sono repousante — e não dormir de frente da televisão ou com o telefone celular conversando na internet, nas redes sociais.
O horário de sono é muito importante. A gente sabe que a obesidade interfere na qualidade do sono. Existe um fenômeno chamado síndrome da apneia obstrutiva do sono, que é um sono muito inadequado, onde a pessoa tem uma diminuição da oxigenação durante o período do sono, onde ele diminui a incursão respiratória. Isso é um fator de risco para hipertensão, para obesidade e para a doença cardiovascular.
O conjunto de fatores que nos fazem ter uma vida saudável é o que nos ajuda e nos protege do ponto de vista do coração.
Metrópoles: Se por um lado as condições ambientais estão nos assustando, por outro, a medicina caminhou muito nos últimos anos. Há quem preveja um futuro melhor, com centenários. Com que idade devemos começar a ter cuidados para ter uma vida longa e com qualidade?
Paulo César Jardim: A rigor, no dia que nascemos. Prevenção primária, que é evitar que aconteça algo no futuro, mesmo que pareça ser longe, começa na primeira infância. Ter uma vida saudável desde o começo. Eu tinha um sogro que dizia: “Éde pequeno que a porca torce o rabo”. Esse é um ditado popular importante.
Se você cria as pessoas e aprende a ter hábitos saudáveis, isso é muito importante. Entretanto, nunca é tarde para adotar hábitos saudáveis. Nunca é tarde para deixar de fumar, para fazer uma atividade física, para ter uma alimentação saudável. Uma alimentação saudável não tem nenhum mistério: frutas, verduras, legumes, grãos, carnes, evitando quantidades excessivas, evitando o sal em excesso, evitando gordura em excesso. Mas tudo é permitido, desde que de maneira parcimoniosa.
Metrópoles: Com que idade devemos fazer o primeiro check up do coração?
Paulo César Jardim: Esse é um número um pouco difícil de ser dito. Quem tem uma vida saudável, já tem uma avaliação cardiológica, tem o controle médico periódico, independente de ser doente. Nós, médicos, preferimos sempre prevenir a doença e ver uma pessoa que vai para prevenção do que uma pessoa que já chega doente.
Mas homens e mulheres, a partir de 35 anos, pensando em doença cardiovascular — se a pessoa tem uma vida saudável — é uma idade boa para fazer um acompanhamento anual. Agora, se a pessoa é obesa, tem uma família de hipertensos, de diabéticos, se a pessoa é sedentária, isso vai antecipando, porque o risco é proporcionalmente maior aos fatores de risco que você está submetido. O risco familiar é importante, mas os ambientais, que envolvem hábitos de vida também são muito importantes.
Metrópoles: A programação do Congresso tem uma diversidade de palestras e vocês citam o vape como uma das ameaças atuais à saúde cardíaca. Quando falamos em saúde do coração, o cigarro eletrônico faz mais mal do que o cigarro convencional? Muita gente ainda tem a ideia de que o vape não faz tão mal assim.
Paulo César Jardim: Da mesma maneira que o cigarro convencional começou como uma moda — séculos atrás, fumar era elegante, a nobreza fumava e isso era importante, e daí chegamos a esse desastre que foi quando se descobriu o mal que o tabaco fez —, quando chegou o vape, como “alternativa” e eu digo alternativa entre aspas, porque na verdade, quando o cigarro começou a ser combatido de maneira adequada no mundo inteiro, particularmente vou falar do Brasil, houve uma queda substancial do consumo de cigarro no Brasil. As leis funcionaram para o cigarro e hoje você não vê uma pessoa fumando no ambiente fechado.
A indústria tabágica, muito inteligentemente, aproveitou uma brecha e fez uma grande propaganda do cigarro eletrônico. O cigarro eletrônico tem substâncias químicas que são extremamente maléficas. Os males que faz, não só para o aparelho vascular, mas para o pulmão, são extremamente grandes.
Difícil hoje a gente fazer uma comparação, mas seguramente não é menos mal do que o cigarro. Eu falo que cientificamente não tem como comparar, porque ainda é pouco tempo de uso do vape e a gente sabe que já tem sinais importantíssimos de grande estrago que ele fez, e ao longo do tempo isso vai aumentar cada vez mais porque o tempo é o senhor da razão nesse sentido. Então o vape deve ser proscrito definitivamente.
Lamentavelmente, eu vi recentemente pela imprensa um projeto de lei para legalizar o que seria um absurdo, um crime contra a saúde pública nacional a legalização desse tipo de vício, que não é nada diletante, não é nada elegante, é um auto extermínio.
Metrópoles: Os jovens estão usando cada vez mais cedo, certo?
Paulo César Jardim: Cada vez mais cedo. Durante um certo período, a indústria tabágica fez propaganda para os mais jovens e esse é um problema que nós ainda temos com o cigarro. O adolescente começa a fumar encantado com essa mudança que acontece da criancice para a “vida adulta” e o vape é um bom momento para poder ter uma aceitação social. Então essa propaganda acaba sendo terrível e é preciso que a gente combata isso de uma maneira muito intensa.
Metrópoles: E por fim, eu gostaria que o senhor desse algumas dicas de saúde para os nossos seguidores. Quais seriam os três princípios fundamentais para saúde cardíaca?
Paulo César Jardim: Primeiro, começar cedo alguns hábitos de vida saudáveis; manter o peso próximo ou ideal, adequado para sua idade e altura.
Para isso, é preciso que tenham alimentação saudável. Isso não quer dizer quantidade, mas sim qualidade. Não há nenhuma alimentação que seja proibida, ela tem que ser saudável. Ela tem de ter uma quantidade equilibrada de frutas, verduras, vegetais, cereais, carnes e grãos. Isso distribuído ao longo do dia.
Aí você vai ter uma quantidade grande de proteínas, de hidratos de carbono e de vitaminas. Manter uma atividade física regular. Não estou falando de exercício físico obrigatoriamente, mas manter uma atividade física, que tanto pode ser uma simples e agradável caminhada quanto um esporte competitivo, mas desde que seja feito regularmente.
Hábitos de vida. Do ponto de vista do cigarro e cigarro eletrônico, é inegociável. Esses têm que ser proscritos, assim como as drogas que são ilícitas porque fazem muito mal e levam a doenças cardiovasculares. Sobre bebida alcoólica, se a pessoa gostar e tomar, que seja em quantidades moderadas, que aí não vai ter nenhum problema.
Se por acaso, for uma pessoa que adquire hipertensão ou diabetes — e isso é prevenido com essas medidas anteriores —, tratar adequadamente as doenças, porque elas também vão prolongar a sua vida e dar uma boa qualidade de vida ao longo do tempo.