O Supremo Tribunal Federal está prestes a homologar uma decisão que vai acirrar ainda mais os debates em torno da extrapolação dos poderes do judiciário, tomando decisões que resultam em anulação de decisões legislativas.
Muitos juristas divergem sobre a situação. Os mais aliados com o pensamento progressista apoiam a decisão, mas uma maioria entende que o Supremo está entrando em corrente ideológica em vez de fixar-se no âmbito jurídico, que recomenda a separação de poderes, cabendo à Suprema Corte agir apenas em casos de flagrante inconstitucionalidade.
Na quinta-feira, por exemplo, os ministros dessa corte formaram maioria para declarar inconstitucional uma lei de Rondônia que proibia a adoção de linguagem neutra nas instituições de ensino e em concursos públicos no estado. Até o momento, seis ministros já votaram para anular a lei em julgamento virtual que se encerra nesta sexta-feira (10).
Com a formação da maioria de votos, o Supremo dá parecer favorável ao pedido feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), que argumentou que a lei estadual trazia o risco de “calar professores”.
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7019 teve início em 3 de fevereiro. O relator do caso, ministro Edson Fachin, deu voto favorável à inconstitucionalidade da lei sob a justificativa de que a norma estadual teria violado a competência legislativa da União.
Os ministros que acompanharam Fachin até o momento são Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luis Roberto Barroso.
Essa lei foi sancionada outubro de 2021 e garantia aos alunos “o direito ao aprendizado da língua portuguesa, de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VoIP) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP”.
O artigo 3° previa a proibição da linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas e privadas e também em concursos públicos.
A sanção dessa lei levou os sindicatos dos professores a acionarem o STF, manistrando contrariedade e alegando que ela trazia “a marca da intolerância, da discriminação, da negação da diversidade, da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Poucos dias depois, Facchin suspeideu os efeitos da lei, via medida cautelar, alegando que havia “grandes vícios” na norma. “O risco de sua imediata aplicação, calando professores, professoras, alunos e alunas, é imenso e, como tal, justifica a atuação excepcional deste Tribunal”, argumentou.
No entanto, o advogado Aécio Flávio Palmeira Fernandes, especialista em Direito Constitucional, explicou que a decisão do Supremo não discutiu se a linguagem neutra é constitucional ou não, somente declarou que um estado da federação não tem competência legislativa para proibir o seu uso em sala de aula.
“Ao decidir pela inconstitucionalidade, o STF está estendendo a todos os Estados da Federação a proibição de editar normas jurídicas que adentrem ao campo de competência próprio da União Federal, ou seja, que um Estado não pode legislar especificamente sobre matéria de competência da União, pouco importando se o objeto da lei estatal é ou não sobre o uso da linguagem neutra”, afirmou. “Não compete ao Estado de Rondônia adentrar na esfera de competência geral da União, editando norma sobre a língua portuguesa que, segundo art. 13 da Constituição, é o idioma oficial de toda nação”, complementou.
O especialista disse que a decisão do Supremo também não traz um posicionamento favorável à adoção da linguagem neutra. Entretanto, reforça-o, visto que os ativistas da linguagem neutra poderão tentar usar a decisão na tentativa de argumentar que o Judiciário foi favorável ao uso do dialeto. “A verdade é que os movimentos tergiversarão essa decisão de todo jeito para implementar uma narrativa, de permissão do uso da linguagem neutra pela Justiça, o que não ocorreu”, evidenciou.
“A própria Constituição protege o idioma português como língua oficial do país, de modo que a adoção de qualquer alteração em seu uso ou forma só pode ser procedido por meio de lei específica”, frisou o jurista.