Faz mais de uma semana que o Partido Conservador britânico sentiu um efeito inesperado da crise climática. Foi no dia 20 de julho, uma quinta-feira, quando o grupo venceu por 495 votos a eleição suplementar no distrito de Uxbridge e South Ruislip, na zona oeste de Londres.
A eleição fora de época foi necessária para escolher um novo parlamentar para substituir Boris Johnson, que tinha renunciado semanas antes. Os Trabalhistas tinham como certa a vitória no distrito do ex-premiê. Seria uma conquista simbólica para selar o favoritismo da oposição nas próximas eleições.
Mas os Conservadores conseguiram captar uma insatisfação com políticas que eles mesmos ajudaram a implementar. Nesse caso específico, a questão chama-se Ulez, sigla em inglês para “Ultra Low Emission Zone“.
Trata-se de uma área do centro expandido de Londres, onde carros que poluem mais pagam mais para circular. A tarifa hoje é 12,50 Libras (R$ 76,73). Desde 2020, quando começou a valer, houve uma redução de 44% na poluição emitida por combustíveis fósseis na área afetada.
Quase todos os carros a diesel fabricados antes de 2015 e os movidos a gasolina fabricados antes de 2001 precisam pagar a tarifa para rodar nessa área.
Ainda que seu carro seja mais novo e polua menos, é preciso pagar outras 15 Libras de pedágio urbano (Congestion Charge) para rodar no centro expandido. Dessa tarifa, poluindo ou não, ninguém escapa.
Se não há planos para mudar o pedágio urbano, a zona de baixa emissão será expandida para toda a cidade de Londres a partir de 29 de agosto.
Sair de casa em um carro mais velho e poluente, seja em que ponto da cidade você estiver, custará 12,50 Libras. Se quiser entrar no centro expandido, a conta sobe para 27,50 Libras (R$ 168,50).
Muita gente não gostou. A campanha dos Conservadores foi centrada na crítica à expansão da Ulez, um conceito que ironicamente surgiu com o próprio Boris Johnson quando era prefeito de Londres, em 2015. A implantação, no entanto, aconteceu com seu sucessor, o Trabalhista Sadiq Khan.
Desdizer o que já haviam dito deu votos aos Conservadores, expôs opiniões divididas no Partido Trabalhista e levou um debate local para nível nacional.
O primeiro-ministro Rishi Sunak já sofre pressão de setores do seu partido e até de ministros do governo para rever as políticas de combate à crise climática depois da vitória inesperada na mini-eleição de Londres.
No plano nacional, as últimas pesquisas mostram uma larga vantagem dos Trabalhistas sobre os Conservadores. No levantamento do Instituto Opinium feito para o The Observer (versão dominical do The Guardian), a oposição lidera com 17 pontos de vantagem. Trabalhistas tem 42% da preferência popular contra apenas 25% dos Conservadores. As próximas eleições gerais devem acontecer até janeiro de 2025.
O Reino Unido é um dos líderes mundiais em políticas ambientais, bandeira ampla e fortemente usada inclusive em sua política externa. O que aconteceu na eleição do distrito de Uxbridge e South Ruislip mostrou fricções num assunto que costumava colocar os dirigentes dos 2 maiores partidos do país na mesma direção.
O que emergiu naquela eleição foi a mesma energia que dividiu o país na decisão histórica sobre o divórcio com a União Europeia. De novo, os britânicos ouvirão o canto da sereia populista, prometendo soluções fáceis, inventando inimigos imaginários e varrendo o problema para debaixo de tapetes velhos e empoeirados.
O Brexit, afinal, não foi apenas um divórcio com o bloco europeu. Foi um conceito, que ameaça surgir revigorado e multipartidário na agenda que coloca em dúvida a grande tragédia dos nossos tempos.