Os episódios de chuva preta (ou escura) registrados no Rio Grande do Sul, no início da semana, devem se repetir em outras regiões do Brasil. Meteorologistas preveem mudanças no tempo que favorecem a ocorrência do fenômeno. Os mapas mostram a movimentação do vento transportando a fumaça e também áreas com maior concentração de poluentes, que estão mais sujeitas a receberem a chuva preta. O avanço de uma frente fria com origem no Sul deve fazer chover em algumas áreas do Sudeste.
No momento, a parte central da América do Sul, incluindo regiões da Argentina, Paraguai e Bolívia, além de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, são as áreas com a maior concentração de poluentes na atmosfera.
“O número de queimadas tem aumentado muito nas últimas semanas, principalmente, nas grandes metrópoles, como em São Paulo e no Sul. Muito se deve pela movimentação atmosférica que traz a umidade da Amazônia e alimenta os sistemas, causando chuva. Essa circulação é a mesma que traz fuligem”, explica o meteorologista Willians Bini.
O que é chuva preta?
O fenômeno se forma quando a água que sai da nuvem encontra sujeira e poluição oriunda das queimadas pelo caminho. Desta forma, cai no solo com outra colocação e não transparente. A alteração na cor da chuva é incomum e está relacionada diretamente com as queimadas no Brasil e em países vizinhos na América do Sul, como Argentina, Bolívia e Paraguai.
Willians Bini reforça que a chuva preta acontece apenas quando a quantidade de poluição no ar é muito alta. A situação é diferente em cidades como São Paulo, por exemplo, conhecida pela presença de impurezas, mas em um nível menor.
“Sabemos que tem áreas assim, mas, como agora, estamos passando por um processo um pouco mais crítico, devido às queimadas, acaba potencializando a coloração mais forte da chuva, que tira toda a fuligem ao realizar o processo de lavagem na atmosfera poluída”, explica
Chuva preta pode prejudicar a agricultura?
Segundo Bini, a chuva preta pode prejudicar a atividade por causa da contaminação da água pelos componentes da fuligem. Um dos materiais poluentes é o carbono negro, resultante da queima incompleta de biomassa das queimadas e dos combustíveis fósseis.
“A primavera começa ainda neste mês, e a umidade vai aumentando. Com as chuvas acontecendo, elas carregam toda essa poluição em direção ao solo, elas varrem, o que é muito bom, pois limpa a atmosfera, mas, ao mesmo tempo, a sujeira em áreas de cultura acaba indo para as plantações”, diz.
A ocorrência de chuva preta em áreas de lavoura pode causar três tipos de problemas aos produtores rurais. O primeiro é de nutrição, porque as plantas encontram dificuldade de absorver os nutrientes pela presença da fuligem na composição química do solo, o que reduz a produtividade;
O segundo é a dificuldade de realizar a fotossíntese, porque a presença de fuligem na camada superficial das folhas impede o processo que converte a energia do sol em energia química; E o terceiro é o maior risco de doenças nas plantas, pois a mudança na composição química do solo causa o surgimento de fungos e bactérias patogênicas nas plantas.
“É um grande desafio para a agricultura no início da semeadura em muitas regiões do Brasil e um novo desafio que os produtores devem ter. Estamos saindo de um período muito seco e quente, onde as primeiras chuvas vão trazer essa sujeira para o solo”, finaliza.
Dificuldade de comercializar
Guilherme Miranda, engenheiro agrônomo e pesquisador de hidrologia na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), avalia que o problema com a chuva preta é muito mais visual do que de riscos ao desenvolvimento das lavouras.
Em hortaliças, por exemplo, diz o pesquisador, a chuva em uma coloração incomum pode comprometer a comercialização por causa da aparência. Miranda pontua que há contaminantes mais prejudiciais e preocupantes para agropecuária do que a chuva preta.
“Eu não sei qual a composição dessa água suja. Isso faz com que o solo absorva e isso vai decompondo no próprio solo. Seria diferente se fosse uma nuvem radioativa. A situação da chuva preta na agricultura não é uma situação tão relevante. A planta é seletiva e só absorve o que é bom para ela”.
Na opinião do engenheiro agrônomo da Epagri, a nebulosidade e causada pelas queimadas no Brasil pode prejudicar mais a agricultura. “Essa condição na atmosfera não deixa a radiação ser direta nas lavouras, é uma radiação indireta, e as plantas não conseguem transpirar. Os raios de sol são bloqueados, impactam e causam a radiação difusa. Eles batem naquele bloqueio de partículas em suspensão e se dispersam no ambiente”, diz.