A animação Divertida Mente 2, da Disney/Pixar, era um dos lançamentos mais aguardados do cinema em 2024 — não à toa, superou o filme Duna 2 e se tornou a maior bilheteria do ano até o momento, com menos de duas semanas em cartaz.
Boa parte do enredo se passa na cabeça de Riley, uma menina que enfrenta todos os desafios da transição para a adolescência — o Divertida Mente 1, de 2015, acompanha a personagem durante a infância.
“É o caso de uma lembrança que temos de nossos avós. Ela pode ser alegre no início, mas, quando eles morrem, se torna agridoce, com um misto de felicidade e tristeza”, cita Wanderley.
Isso mostra mais uma vez como nossos sentimentos se aprofundam e ganham complexidade conforme envelhecemos.
“Com o passar do tempo, o que a gente viveu de fato não importa tanto. O mais relevante, em termos de memória, é o significado que damos para aquele momento”, observa a psicóloga.
“Por isso, é muito comum que duas pessoas que viveram exatamente a mesma coisa tenham lembranças completamente diferentes, segundo as emoções que cada uma sentiu.”
3. Não existe emoção boa ou ruim
Uma das principais mensagens de Divertida Mente está relacionada à noção de que todas as emoções são importantes para nossa vida — mesmo aquelas que consideramos ruins, como tristeza, medo, nojo, raiva…
“Um pouco de tristeza é fundamental para a gente ter a clareza de encarar a realidade e os desafios da vida”, constata Rocha, que se especializou em Psiquiatria da Infância e da Adolescência no Hospital Monte Sinai, em Nova York, nos EUA.
E esse mesmo racional se aplica às novas emoções, que são apresentadas na parte dois da animação: leves pitadas de ansiedade, por exemplo, nos permitem antecipar diferentes cenários e estar prontos para lidar com eles de forma satisfatória.
“A ansiedade sobre dar uma aula ou uma entrevista, por exemplo, faz com que eu me prepare para essas situações e fique melhor na hora de realizar essas atividades”, conta Rocha.
“Todas as emoções são importantes para a construção de nossa identidade”, complementa ela.
O problema, explicam as especialistas, é quando essas emoções saem do equilíbrio — e uma delas acaba tomando o centro de controle do cérebro.
“Até alegria exagerada faz mal. Essa, aliás, é uma crítica do filme à pressão que vivemos hoje para estarmos felizes o tempo todo”, reflete Rocha.
Já a tristeza em demasia desemboca em depressão. O medo excessivo paralisa. O nojo impede novas experiências. E assim por diante.
Um cenário desses é retratado em Divertida Mente 2, quando a Ansiedade toma para si toda a responsabilidade e deixa as demais emoções em segundo plano.
O que parecia benéfico num primeiro momento para Riley evolui para algo sufocante e prejudicial, como é possível acompanhar na trama.
4. Esquecer é algo positivo
No desenho, muitas das esferas de memória perdem as cores com o passar do tempo — e são descartadas numa espécie de “lixão cerebral”.
Algo similar acontece na nossa própria cabeça e, segundo especialistas, deve ser encarado mais como uma dádiva do que como uma maldição.
“Esquecer é algo salutar para nossa sobrevivência”, diz Wanderley.
“Nós temos esse desejo de não perder nada do que vivemos, mas o descarte de algumas memórias faz parte do processo de aprendizado.”
“A gente só consegue criar novas memórias porque recicla lembranças que não são tão úteis assim”, complementa ela.
A psicóloga também destaca como a animação mostra a importância do sono nesse processo de organização das recordações: é apenas quando Riley vai para a cama e “apaga” que as esferas são organizadas adequadamente.
Isso também acontece no nosso cérebro durante o sono — sem a presença de bonequinhos fofos e amigáveis (infelizmente).
Na vida real, esse processo é mediado por pulsos elétricos, neurotransmissores e outros elementos que fazem a comunicação entre os neurônios e as demais células do sistema nervoso central.
5. As bases de nossa personalidade mudam
No desenho, o centro de controle do cérebro onde as emoções trabalham é conectado com uma série de bases, ou ilhas. Elas representam aquilo que influencia a personalidade de Riley.
Uma dessas estruturas trata da família. Outra, das amizades. Uma terceira, da prática de esportes (ou de hockey, mais especificamente). E assim por diante.
Na segunda animação, é possível observar uma mudança importante nessas bases: o campo que representa a família diminui de tamanho, enquanto o das amizades fica maior.
Isso é algo que acontece com todo mundo na passagem da infância para a adolescência.
“Nesse período, há uma mudança de prioridades. Os amigos passam a ser algo muito importante para nossa base de personalidade”, explica Wanderley.
“Esse processo de distanciamento dos pais, geralmente cercado de revolta e rebeldia, é extremamente natural e saudável.”
A psicóloga aponta que, até certo estágio da vida, filhos e pais funcionam como uma unidade harmônica, quase numa simbiose.
“Mas chega uma hora que não dá para continuar assim. O adolescente precisa descobrir quem ele é, qual a sua individualidade e identidade. E isso envolve um processo em que ele estabelece que é diferente daqueles que o criaram”, diz ela.
Obviamente, esse momento costuma ser bem doloroso para os pais.
No final da adolescência e começo da vida adulta, a tendência é que essas cisões se amenizem — e os filhos busquem uma nova aproximação com a família.